História da África – função social do ensino de história na sala de aula.
Publicado: 24/04/2011 em História da África, Textos teóricosTags:ensino de história da áfrica, ensino de historia, história, história da áfrica
Recentemente o ensino de História da África tornou-se
obrigatório no currículo escolar. Materiais didáticos com conteúdo
exclusivo de História da África, escrito por especialistas no assunto,
têm sido desenvolvidos. No entanto, temos que nos perguntar o que os
professores – especialmente os que têm mais tempo de profissão – já
conhecem sobre, e o que esperam de um ensino de História da África.
Estudos acadêmicos mais recentes têm privilegiado a formação da nação e do Estado brasileiro dentro do chamado Sistema Atlântico Sul.
Deste modo, o Brasil é tido como o produto de um longo processo
histórico oriundo de três matrizes civilizatórias diferentes: uma
europeia, uma africana, e outra indígena. Já desde a década de 30
aproximadamente, especialmente com Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala,
as diferente matrizes culturais formativas do Brasil são reconhecidas.
No entanto, o Brasil é ainda um país profundamente racista, onde o
acesso dos negros a determinados ambientes ou condições é dificuldado.
Mas então, se as diferentes matrizes culturais são reconhecidas na
formação da cultura brasileira, como o Brasil pode ser ainda um país
racista? E ainda, o que o ensino de História da África tem a ver com
esta questão?
O ensino de história nos níveis fundamental e básico tem uma função
social muito grande. Ela constrói personagens marcantes da história,
eventos importantes para a construção do Brasil que conhecemos hoje,
enfim, ela constrói a ideia de Brasil para o aluno: o que é o Brasil, quem é
o brasileiro. De diversas datas e personagens, algumas são eleitas como
principais para contar a história da nação. No entanto, por trás de
toda escolha deste calibre existe uma ideologia que a orienta. Neste
caso, onde estão as personagens negras da história do Brasil?
Geralmente, nos manuais voltados para o ensino fundamental e médio, os
eventos e personagens negras se concentram na colônia, o momento onde as
“raças” (ou etnias, para utilizar um vocabulário mais adequado) se
encontram. Sempre relacionados à escravidão, os negros parecem
desaparecer da história após a abolição, no fim do Século XIX, salvo
raras exceções como a revolta da chibata, por exemplo. A partir
deste momento, toda a história do Século XX é contada como se existisse
um povo brasileiro único, harmônico e coeso. E sempre branco.
Abordar a história dos afrodescendentes no Brasil a partir de suas
contribuições culturais, geralmente resumidas ao samba (música),
capoeira (dança), etc, é deixar de lado duas coisas: outras
contribuições da matriz africana para a formação da nação brasileira –
contribuições que se estendem, em última instância, até uma cultura
política – e também a relação complicada entre os negros e brancos ao
longo de cinco séculos de história. Por isso os livros de história devem
resgatar personagens como Henrique Dias, que comandou um exército de
negros contra os holandeses na América Portuguesa e também fez
investidas contra Palmares. Devem tratar Palmares não como um ponto de
convergência de escravos fugitivos, mas como a reprodução de um Estado
africano na América, em um estrutura de Quilombo, espécie de
aldeamentos militares que já existiam na África antes dos portugueses.
Pensar a relação entre negros e brancos durante a revolta da vacina
e, na postura de Getúlio Vargas com os negros em seu projeto de
modernização da nação. Enfim, tratar de África e afrodescendentes na
sala de aula é mostrar que o negro não trouxe apenas saudade, suor e
ginga para o Brasil. Ele trouxe uma forma própria de compreender o
mundo, que ajudou a moldar o país que conhecemos hoje. Tratar a história
brasileira a partir de suas personagens brancas é desmerecer todo o
sofrimento pelo qual passaram (e passam) os negros desse Brasil.
Link: Notícia publicada no jornal O Estado de São Paulo sobre a produção de materiais didáticos sobre História da África: http://www.estadao.com.br/noticias/vida,material-didatico-para-aulas-de-historia-da-africa-deve-ficar-pronto-no-segundo-semestre,702575,0.htm
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