Os perigos do discurso apartidário
Paulo Victor
Cores e
símbolos dos partidos devem marchar livremente
Impossível
atualizar a coluna esta semana e não escrever sobre as manifestações de rua que
acontecem por todo o país. Porém, ao mesmo tempo em que expor a opinião sobre
os atos desses últimos dias parece ser um dever, é também uma dificuldade
enorme, afinal são inúmeros e bastante distintos os aspectos que poderiam e
mereciam ser aqui discutidos.
Resolvi,
portanto, escrever sobre o que mais tem me inquietado até aqui: alguns atos e
posturas de repúdio à presença dos partidos políticos nas mobilizações.
Não me
refiro ao já conhecido discurso dos meios de comunicação comerciais. Não é
qualquer novidade que esses meios – que sempre “tomam partido” - atuem para que
a sociedade aprofunde o seu caráter individualista, fragilizando ou até
criminalizando a organização coletiva. Tratarei aqui de práticas que têm
ocorrido no interior das próprias ações de rua, influenciadas, em certa medida,
pelo próprio discurso midiático.
Em várias
cidades, durante os atos públicos, não faltaram hostilidades a partidos
políticos. Gritos de “Fora PT” ou queima de bandeiras e camisas do PSOL e PSTU
foram (e estão sendo) bastante comuns nas atividades dos principais centros
urbanos do país. Essas atitudes carregam um falso discurso de que o sucesso das
mobilizações depende do seu caráter “apartidário”.
Se a
motivação desses discursos e práticas é um descontentamento e crítica à
diminuição da capacidade de mobilização social dos partidos – crítica e
auto-crítica que devem ser feitas permanentemente -, ações como essas são
bastante perigosas, pois podem despertar um sentimento autoritário e ditatorial
de proibição da organização coletiva. Impede-se a presença dos partidos no
primeiro momento, depois a participação de movimentos sociais, entidades
estudantis e centrais sindicais, até mais a frente garantir-se a proibição de
duas pessoas reunidas, tornando as ações cada vez mais individualizadas e as
lutas cada vez mais individualistas.
Não
podemos esquecer que o fechamento ou a ilegalidade dos partidos políticos
sempre foi uma das principais marcas de regimes anti-democráticos. Uma das
primeiras medidas de Hitler na Alemanha nazista e de Mussolini na Itália
fascista foi a extinção dos partidos políticos. Aqui no Brasil, em 1937,
Getúlio Vargas também acabou com os partidos e, mais recente, a Ditadura
Militar os colocou na ilegalidade.
Não
podemos esquecer também que o discurso apartidário é um discurso contra a
esquerda brasileira. Afinal, são os partidos de esquerda que, historicamente,
têm as manifestações de rua como um método de reivindicação e luta por
direitos. Ou seja, o discurso apartidário serve apenas aos grupos econômicos e
políticos que desejam manter o status quo e que se veem ameaçados com
qualquer possiblidade de mudança estrutural da sociedade.
Como
disse acima, as críticas a qualquer partido político podem e devem ser feitas,
bem como cabe aos partidos realizar de forma cotidiana e sincera a reflexão e a
auto-crítica.
Porém os
que se arvoram no discurso apartidário não podem ser injustos com a história e
julgá-la apenas a partir das suas próprias aões. Antes de irmos às ruas, outros
milhares de brasileiros e brasileiras foram às ruas, reivindicaram nas ruas.
Muitos morreram reivindicando nas ruas. Ou melhor, para que hoje possamos ir às
ruas foi fundamental a ação coletiva desses outros. E aqui não podemos negar:
os partidos políticos foram essenciais para o processo de organização,
articulação, mobilização e, principalmente, educação política desse povo que
foi às ruas.
E mais: a
centralidade dos partidos políticos para a transformação da realidade não foi
superada. Ainda hoje são os partidos políticos – aliados às associações,
coletivos, sindicatos, entidades estudantis, movimentos sociais e populares –
que dão organicidade, capilaridade e consequência às ações de rua. São os
partidos políticos que, junto aos demais agrupamentos listados acima, formulam
e disputam projetos de sociedade e de país.
Por isso,
a presença de bandeiras e camisas partidárias não deve ser encarada como uma
ameaça à diversidade, pluralidade ou potencial das mobilizações, mas, por outro
lado, deve ser reconhecida e afirmada.
Em
Aracaju, amanhã (20) acontecerá um ato público semelhante aos que têm ocorrido
por todo o país. Desejo que, diferente do que tem caracterizado algumas das
manifestações em outras cidades, por essas terras as cores e símbolos dos
partidos estejam marchando livremente junto aos trabalhadores e estudantes que
estarão nas ruas.
No ato de
amanhã, é desejável (e necessária) também outra postura da Polícia Militar de
Sergipe que, diferente da polícia de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Distrito
Federal, deve respeitar o direito à livre manifestação e não agredir nenhum
trabalhador ou estudante.
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