sexta-feira, 7 de junho de 2013

Direito dos servidores públicos à revisão de remuneração


Direito dos servidores públicos à revisão de remuneração

Mauricio Gentil

Mais uma vez o Governo do Estado de Sergipe flerta com a não concessão de qualquer percentual de revisão de remuneração dos servidores públicos estaduais. Conforme declarações atribuídas ao Vice-Governador no exercício do cargo de Governador Jackson Barreto, os gastos do Estado com pessoal estão no limite prudencial e qualquer decisão de aumentar essas despesas implicará em prática de ato de improbidade administrativa, eis que essa conduta seria vedada pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
O Governo do Estado sabe que não existe nenhum impedimento jurídico à revisão de remuneração dos servidores públicos estaduais.
Com efeito, independentemente de eventuais e compreensíveis dificuldades orçamentárias e de disponibilidade de recursos, os servidores públicos possuem o direito à revisão geral anual de remuneração. Desde a entrada em vigor da emenda constitucional nº 19/98 que esse direito passou a ter obrigatoriamente a periodicidade anual:

Art. 37 (...)
X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices (grifou-se).
Aqui não cabe, portanto, o argumento que vem sendo recorrentemente utilizado pelos gestores públicos no sentido de que a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) impede ou dificulta a fixação do índice de revisão de remuneração dos servidores.

Em primeiro lugar, pela óbvia circunstância de que uma lei não pode frustrar um comando constitucional. Em segundo lugar, porque não é verdadeiro que a Lei de Responsabilidade Fiscal proíba ou impeça a concretização da revisão mencionada.

Mesmo na hipótese aguda de a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite [Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados: I - União: 50% (cinqüenta por cento); II - Estados: 60% (sessenta por cento); III - Municípios: 60% (sessenta por cento). Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais: (...) II - na esfera estadual: a) 3% (três por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado; b) 6% (seis por cento) para o Judiciário; c) 49% (quarenta e nove por cento) para o Executivo; d) 2% (dois por cento) para o Ministério Público dos Estados], a LRF veda ao Poder ou órgão que tenha incorrido no excesso a concessão de reajustes ou revisões, ressalvada expressamente a revisão geral anual de remuneração a que alude o Art. 37, X da Carta Maior:
Art. 22 (...)
Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite, são vedados ao Poder ou órgão referido no art. 20 que houver incorrido no excesso:
I - concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição;

Cabe frisar ainda que, de acordo com a mesma Lei de Responsabilidade Fiscal, “a verificação do cumprimento dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 será realizada ao final de cada quadrimestre” (art. 22). Ou seja: mesmo que ocorra a situação extrema de, num primeiro momento, a concretização da revisão anual geral de remuneração fazer com que seja extrapolado o limite de gastos públicos com pessoal, a Administração Pública ainda disporá de três meses para adoção de medidas que impliquem a devida adequação de seus gastos aos limites legais fixados nos Arts. 19 e 20 da LRF.
Não é a primeira vez que o Governo do Estado, pressionado legitimamente por servidores públicos estaduais (por meio de seus sindicatos), acena com a impossibilidade da revisão, por suposta imposição da Lei de Responsabilidade Fiscal. No ano de 2008 essa tática foi usada num primeiro momento para, em seguida, conceder revisão de remuneração de 5% a todos os servidores públicos bem como iniciar negociações específicas para recomposições remuneratórias de determinadas carreiras.
É que as autoridades estaduais admitiram expressamente que o índice de revisão geral de remuneração (5%) aplicado linearmente a todos os servidores públicos estaduais, somado aos gastos decorrentes das recomposições específicas por carreira (magistério, fisco e segurança pública), faria com que, no primeiro mês de sua incidência, o Poder Executivo Estadual gastasse, com pessoal, mais do que o “limite prudencial” previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. Todavia, isso não impediu a concessão da revisão anual nem das recomposições específicas, porque o Governo se comprometeu (e até apelou ao bom trabalho dos auditores nesse sentido) com o aumento da arrecadação e com o controle rigoroso de gastos públicos, de modo a fechar o quadrimestre dentro do limite prudencial.
E também não se aceite a argumentação comumente utilizada por vários gestores públicos ao longo do tempo, no sentido de que a revisão geral de remuneração (que nada mais é do que um dever do Estado ao mesmo passo que um direito dos servidores públicos) pode gerar a radical medida da demissão de servidores (tecnicamente, o correto é falar-se em exoneração). Trata-se de um argumento terrorista! Caso o Poder Público não se planeje adequadamente de modo a respeitar o limite de gastos com pessoal sem prejuízo de suas demais obrigações, a Constituição determina que seja primeiramente adotada a seguinte medida: redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança [Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.(...)§ 3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências: I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; II - exoneração dos servidores não estáveis. § 4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal.]. É dizer: antes de partir para a “demissão”, o Poder Público precisará demonstrar que operou a redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança! O que é o mesmo que dizer, convenhamos, que a hipótese de “demissão” como medida de adequação ao limite de gastos com pessoal é de improvável ocorrência!
Que esse episódio sirva de novo exemplo para que não mais se aceite como verdade inquestionável o argumento recorrentemente utilizado por agentes públicos (muitas vezes como forma de nem sequer abrir negociações), no sentido de que a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), por si só, impede ou dificulta a fixação do índice de revisão anual de remuneração dos servidores, ou ainda que impede ou dificulta a concessão de recomposições remuneratórias específicas!

E que a Administração Pública de todas as esferas federativas se planeje adequadamente para cumprir a determinação constitucional que garante aos servidores públicos o direito à revisão geral anual de remuneração (sem prejuízo do cumprimento das demais obrigações constitucionais), como medida de valorização do servidor público e, em decorrência, valorização do serviço público que deve ser prestado eficientemente para toda a sociedade!

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