Implementação da lei 10.639/2003:
abaixo o mito da democracia racial
Gildo Alves Bezerra
“(...) a memória coletiva é não somente uma
conquista,
É também um instrumento e objeto de poder”.
Jacques Le Goff
No cenário de negação das condições
de efetivação para a implementação das leis 10.639/03 e 11.645/2008. Faz
sentido perceber o quanto a luta pela construção da memória coletiva é não só
uma conquista, mas também instrumento e objeto de poder fundamentais na
transformação do cenário de exclusão que os negros e índios estão submetidos.
Faz mister perceber a educação na perspectiva que a cultura e o currículo como
relações de poder.
Seguindo essa perspectiva servira
para desconstrução do mito da democracia racial. Como nos diz Tomaz Tadeu da
Silva “as relações sociais no interior das quais se realizam as práticas de
significação não são simplesmente relações sociais; elas são mais do que isso:
são relações de poder”. Então, em uma sociedade que segue um modelo
etnocêntrico não pode negar que “os diferentes grupos sociais não estão
situados de forma simétrica relativamente ao processo de produção cultural,
aqui entendido como processo de produção de sentido”, (Silva). Portanto, A
mudança na educação tirando de foco o eurocentrismo e colocando como
protagonistas os negros e índios com a efetivação da educação para relações
étnico-raciais novos cenários e atores aparecerão na construção de uma
sociedade para igualdade social. Levando por terra o mito da democracia racial.
Então, é fundamental perceber a
discriminação racial existente em nossa sociedade através do sistema de ensino:
“De fato, não se trata de um conflito entre
indivíduos, mas entre o Estado e uma parcela significativa da população
brasileira - ao menos metade dos brasileiros (as), segundo o IBGE. Ademais, tão
ou mais importante do que punir comportamentos individuais, necessitamos de
políticas públicas, políticas educacionais que assegurem eficácia ao princípio
da igualdade racial”.
Mais do que punir, podemos e devemos
prevenir. Mais do que combater a discriminação, devemos promover a igualdade.
Para a promoção da
igualdade caberá aos sistemas de ensinos, às mantenedoras, à coordenação
pedagógica dos estabelecimentos de ensino e aos professores, com base neste
parecer, estabelecer conteúdos de ensino, unidades de estudos, projetos e
programas, abrangendo os diferentes
componentes curriculares. Caberá, aos administradores dos sistemas de
ensinos e mantenedoras prover as escolas, seus professores e alunos de material
bibliográfico e de outros materiais didáticos, além de acompanhar os trabalhos
desenvolvidos, a fim de evitar que questões tão complexas, muito pouco
tratadas, tanto na formação inicial como continuada de professores, sejam
abordadas de maneira resumida, incompleta, com erros.
Entretanto, devemos refletir a partir
da seguinte passagem contida nas Orientações e Ações para a Educação das
Relações Étnico-Raciais: “O sucesso das políticas públicas de Estado,
institucionais e pedagógicas visando as reparações, reconhecimento e
valorização da identidade, da cultura e da história dos negros brasileiros
depende necessariamente de condições físicas, materiais, intelectuais, afetivas
favoráveis para o ensino e para aprendizagens; Em outras palavras, todos os
alunos negros e não-negros, bem como seus professores precisam sentir-se
valorizados e apoiados”. Será que estamos fazendo um bom uso da arma que é a
educação? Estamos exigindo que os administradores dos sistemas de ensino
execute seu papel para a viabilização da educação para diversidade étnica? Não podemos transferir a responsabilidade
pela implementação da educação para as relações Étnico-Raciais apenas para o
estabelecimento de ensino e muito menos para apenas um professor de um
componente curricular.
Há
dez anos que “o ensino de História da África tornou-se obrigatório no currículo
escolar. Materiais didáticos com conteúdo exclusivo de História da
África, escrito por especialistas no assunto, têm sido desenvolvidos. No
entanto, temos que nos perguntar o que os professores – especialmente os que
têm mais tempo de profissão – já conhecem sobre, e o que esperam de um ensino
de História da África”. A partir da assertiva anterior fica mais claro a
necessidade que o poder público atenda a determinação do seu papel “caberá,
aos administradores dos sistemas de ensinos e mantenedoras prover as escolas,
seus professores e alunos de material bibliográfico e de outros materiais
didáticos, além de acompanhar os trabalhos desenvolvidos (...)”.
Vamos construir uma reflexão a
partir da Obra de Fernando Sá, “Combates
entre História e Memórias”, “(...) ao elaborar aquilo que deve se
‘memorável’ na sociedade, o discurso sobre a memória, seus usos e práticas,
ocupa lugar proeminente nas diferentes teorias contemporânea, assumindo,
inclusive, uma dimensão política muito forte para as chamadas minorias étnicas,
mulheres, ambientalistas, homossexuais, no mundo atual, pois o passado revela
não somente o que ocorreu, mas que o passado é constituído, em grande medida,
pelos atores sociais em luta no presente, sendo modelado através de formas de
erosão, esquecimento e invenções seletivas”.
Vejam o que nos
diz A Revista Paulo Freire - É preciso contar outra versão da
história:
PALMARES
A cultura e o folclore são meus
Mas os livros foi você quem escreveu
Quem garante que Palmares se entregou
Quem garante que Zumbi você matou
Perseguidos sem direitos nem escolas
Como podiam registrar suas glórias
Nossa memória foi contada por vocês
E por isso temos registrados em toda história
Uma mísera parte de nossas vitórias
É por isso que não temos sopa na colher
E sim anjinhos pra dizer que o lado mal é o candomblé.
Portanto, cabe a
cada um de nos perceber qual é o papel que desempenharemos na construção de uma
vida democrática ou se estamos satisfeitos com o cenário de discriminação
produzido pelos entes da federação: Estado, município e governo federal.
Através dos seus sistemas de ensinos.
Ou seguiremos o que nos ensinou dois grandes pensadores: “a educação é a arma
mais poderosa para mudar o mundo”, NELSON MANDELA e “Se a educação sozinha não
transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”, PAULO FREIRE.
Por que será que durante muito tempo
João Cândido teve como monumento apenas as pedras do cais? Como nos dizem os
poetas João Bosco e Aldir Blanc:
“(...) Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais!
Que tem por monumento
As pedras dos cais
(...)”.
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